á alguns meses a sociedade mexicana estremeceu com a notícia do que foi encontrado no apartamento situado a Mosqueta, 198, na central e valente Colônia Guerrero, bairro da Cidade do México. Ali morava José Luis Calva Zepeda, homem de 37 anos que se intitulava “escritor, dramaturgo e poeta”. Certo é que o homem não passará para a História como o autor de clássicos ou de qualquer cena memorável, mas por ter assassinado Alejandra Galeana, sua namorada, e depois fritar-lhe a carne e devorá-la.
Mas isso não é tudo. A desafortunada Alejandra supostamente não foi a única vítima (e janta) do escritor. Aparentemente, uma antiga noiva e uma prostituta também fizeram parte de sua dieta, o que lhe rendeu o epíteto de “o poeta canibal”.
O escritor e o homicídio
A literatura sempre esteve ligada à hemoglobina e ao crime. Desde obras como Gilgamesh, A Ilíada e A Odisséia, os narradores se esbaldam em destilar estripamentos, decapitações e assassinatos. As tragédias gregas também eram pródigas em sangue: cenas como a automutilação de Édipo (que arranca os olhos) ou a exibição da cabeça de Penteu nas Bacantes serviam para impactar e doutrinar os espectadores.
Talvez o primeiro caso de relação direta entre letras e assassinos tenha sido O assassino, de Thomas de Quincey, tomado como alta literatura. Nessa obra, o autor inglês satiriza as semelhanças entre a criação artística e o crime, propondo uma visão do assassinato para além da moral, a fim de desfrutar a beleza do crime como um ato estético. Para Quincey, existem belos crimes, que podem, sim, ser admirados. Ele exemplifica seu ponto de vista com alguns dos mais famosos crimes da Inglaterra de sua época.
Contudo, não pense que Quincey era um ser amoral, pois, como ele mesmo diz: “Permita-me dizer uma palavra a certos pedantes que se atrevem afirmar que nossa sociedade tem algo de imoral. Imoral! Deus me livre, senhores! O que essas pessoas querem dar a entender? Estou e estarei sempre a favor da moral, da virtude e de tudo isso. Afirmo e afirmarei sempre (aconteça o que acontecer) que o assassinato é uma forma imprópria de atuar, altamente inadequada, e não me importa dizer que todo o homem que comete um assassinato tem um modo de pensar incorreto e princípios equivocados (…) Pois se um homem se deixa tentar por um assassinato, pouco depois pensa que o roubo não tem importância, e do roubo passa à bebida e a não respeitar os sábados e em seguida à negligência dos modelos e ao abandono dos deveres. Uma vez começada essa jornada morro abaixo, nunca se sabe aonde vai parar. Muitos homens começaram sua ruína ao cometer um assassinato de um tipo ou de outro e naquele momento acreditaram que não teria a menor importância”.
Definitivamente, o mais perturbador em O assassino é a desenvoltura com que o homicídio é colocado ao lado da pintura, da literatura e da poesia como um ato capaz de ser apreciado não só em sua execução, mas também em sua contemplação. De Quincey se afunda nesse sentimento mórbido, nessa atração/repulsão doentia que nos provocam o derramamento de sangue, a contemplação de cadáveres e, em si, a crueldade.
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